Artigos SPROWT | Alice Parsotamo

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O Pilar Invisível de Qualquer Transformação Organizacional: A Transformação Cultural

O termo “Bankenstein Monster” descreve um banco que foi crescendo, mas cujos sistemas tecnológicos centrais nunca foram substituidos, descrição encontrada num artigo da renomada revista londrina “The Banker”. Segundo este artigo, tal sistema está “morto”, mantendo-se aparentemente “vivo” por mérito de camadas de integrações e interfaces tecnológicas, que disfarçam a sua antiguidade.

Numa primeira análise, pode assumir-se que o principal desafio que este banco enfrenta é o da modernização tecnológica mas, associado a este, está um desafio bastante superior, o de uma verdadeira transformmação organizacional.

A transformação organizacional é considerada cada vez mais uma prioridade, especialmente face aos acontecimentos globais dos últimos anos que implicaram um nível extraordinário de mudanças, desde instabilidade geopolítica, choques macroeconómicos, interrupções nas cadeias de fornecimento, novas formas de trabalhar, até alterações nos comportamentos dos consumidores, entre outras.

De acordo com uma pesquisa da consultora Ernest & Young, 40% dos executivos envolvidos em programas de transformação organizacional não alcançaram os indicadores-chave de desempenho (KPIs) almejados e 20% participaram em programas de transformação “falhados”, nos últimos 5 anos.

Como (re)definir então transformação organizacional e como ter sucesso?

Em economias mais desenvolvidas, onde o volume de empresas estabelecidas que operam sobre tecnologias antigas é maior, e onde é mais acentuada a exposição a inovações e avanços tecnológicos, tem-se procurado (re)definir o conceito de transformação organizacional e respectivos factores de sucesso, especialmente, diante dos insucessos relatados.

Hoje é mais frequente ouvir e ler sobre transformação “digital”, por isso escolhi dois cenários ligados a este sub-tipo de transformação para exemplificar o significado e abrangência da transformação organizacional.

Cenário 1: Aplicação da tecnologia digital a processos de negócio existentes, automatizando-os e tornando-os mais eficientes.

Cenário 2: Re-imaginação de processos de negócio existentes e re-invenção de novos modelos de negócio, que alavanquem a tecnologia digital.

Perante estes cenários, importa referir que, quando analisados na essência, grande parte dos esforços de transformação digital restrigem-se ao descrito no primeiro cenário, ou seja, a puros processos de automatização e digitalização.

Entretanto, é cada vez mais unánime concluir-se que transformações reais consistem em re-imaginar produtos e serviços, re-inventar modelos de negócio, redefinir as experiências das pessoas, clientes, parceiros, fornecedores, em criar novas e melhores soluções.

Transformar, é mudar radicalmente, quando se deve romper com ineficiencias do passado, e continuar a mudar, para manter a relevância e criar valor, no presente e para o futuro.

E como é que na prática se transforma para além do digital?

Um caso conhecido por todos nós, que pode servir de exemplo, é o da Netflix. A Netflix começou como um serviço de aluguer de DVDs e tornou-se numa gigante de streaming global que alterou o paradigma de consumo de entretenimento.

A transformação da Netflix não se limitou à tecnologia e ao digital, consistiu, acima de tudo, na adopção de uma mentalidade inovadora que considerou todos os aspectos do seu modelo de negócio e que empoderou as pessoas, possibilitando o lançamento contínuo de inovações e a sua expansão global.

Outro bom exemplo de uma abordagem holística é o do banco DBS, sediado em Singapura. Piyush Gupta foi nomeado PCE em 2009 e lançou o desafio “pense como uma startup, não como um banco”. Sob sua liderança, o banco inspirou-se em gigantes da tecnologia como a Google, Amazon, Netflix, Apple, LinkedIn e Facebook (GANDALF).

Em entrevista à Global Finance, Nimish Panchmatia, responsável por dados e transformação no DBS, referiu que o Banco reinventou-se para adoptar a rapidez, agilidade e mentalidade da cultura das startups. O DBS estabeleceu plataformas de aprendizado experimental, introduziu novas formas de trabalhar, redesenhou espaços de escritório e fomentou parcerias em ecossistemas para incentivar a experimentação e inovação. Hoje, o banco serve novos clientes em novos mercados com novos produtos e por meio de novos canais.

O insucesso dos programas de transformação resulta da ausência de uma abordagem holística, centrada nas pessoas e com foco num propósito superior à duração dos mandatos dos líderes destes programas. Líderes que não consideram estes factores, ignoram o facto de uma boa estratégia, sem uma verdadeira transformação organizacional, traduzir-se em melhorias de desempenho cujos ganhos podem ser anulados pelas dinámicas e tendências de mercado.

No seu livro, “Rewired”, Eric Lamarre da consultora McKinsey & Company alega que o processo de transformação é contínuo e interminável e pode criar vantagens competitivas inigualáveis se conduzido de forma estruturada.

Mais que eficiência, crescimento ou diversificação, as reais transformações implicam tocar corações, inspirar mentes, mudar comportamentos.
A decisão de transformar parte da liderança, mas o sucesso depende da repetição de inúmeras acções realizadas diariamente pelas pessoas.

Organizações bem sucedidas dependerão cada vez mais da capacidade das pessoas de dominarem a arte da mudança e servirem de catalisadores de sucessivas transformações. Métricas e KPIs podem quantificar aspectos da transformação, mas o núcleo emocional reside na cultura. Esse elemento humano é ainda mais crucial em países em desenvolvimento, como Moçambique.

Dados mostram que organizações que apostam em culturas inovadoras, de aprendizagem contínua, agéis e resilientes, criam um ambiente onde a transformação pode prosperar e têm cinco vezes maior probabilidade de criar valor e serem sustentáveis.

A sobejamente conhecida política de “20% do tempo” da Google, que permite que as pessoas dediquem parte da semana laboral a projetos inovadores e do seu interesse, exemplifica como as normas de cultura organizacional podem impulsionar resultados transformacionais.

Adicionalmente, artigos e estudos, como o da Harvard Business Review (2020), “The Business Case for Diversity”, da McKinsey & Company (2021) “Women in the Workplace 2021”, ou da Forbes (2019), “How Women Leaders Change Company Dynamics”; demonstram que as organizações com mais mulheres em cargos de liderança e com maior diversidade de genéro, têm culturas mais inclusivas, inovadoras, melhor desempenho, e retenção de talentos.

Em Moçambique, perante desafios e oportunidades únicas, como a do LNG, incorporar a transformação contínua como parte do ADN organizacional pode ser uma boa abordagem para o sucesso e sustentabilidade. Neste contexto, a liderança feminina é um factor ainda mais determinante para acelerar avanços ao nível da inclusão e inovação.

O futuro pertencerá a organizações com culturas de reinvencão e inovação.