Artigos SPROWT | Paulo Lopes

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Não há almoços grátis: as TICs e o ambiente

O ritmo fantástico da evolução das TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) tem-nos oferecido um mundo de possibilidades inimagináveis em áreas tão diversas como entretenimento (streaming de música e vídeo, jogos e realidade virtual-VR), saúde e bem-estar (dispositivos no, ou junto, ao corpo; VR para apoio a intervenções médico-cirúrgicas remotas), consumo do dia-a-dia (lojas virtuais), e muitos mais que seria fastidioso enumerar; terminamos esta breve resenha relembrando a telepresença, que tão benéfica foi em tempo de pandemia, em áreas tão diversas como educação (escolas, universidades), mundo empresarial (reuniões, trabalho em equipa) e contactos interpessoais e familiares.

E como se consegue o “milagre” de sustentar, em simultâneo, milhões de utilizadores destas aplicações ou serviços? A solução tem 3 pilares: os dispositivos (terminais) que estão nas nossas mãos, nas nossas casas, nos escritórios e salas de aulas – as TVs, os smartphones e smartwatches, os óculos VR, os tablets e laptops; as redes de comunicações – com e sem fios, que os ligam aos provedores da Internet; e os computadores (servidores) onde correm as aplicações que nos oferecem todos os serviços que tanto nos ajudam. Acontece que… esses servidores estão alojados em gigantescos centros de dados (DCs) que são, na sua maior parte, a realização de uma tecnologia chamada computação em nuvem (cloud computing) e necessitam de torrentes de energia para funcionar e torrentes de água para os arrefecer. A título de exemplos, um DC de tamanho médio consome o mesmo (15MW) que 15000 habitações e gasta em água o equivalente a “vários” hospitais [1], e um hyperscale DC dos grandes provedores GAFA (Google, Amazon, Facebook, Apple) de cloud gasta mais de 100 TWh (ou seja, 50 DCs destes consomem o mesmo que Portugal consumiu em 2021 [2]). Estima-se que, só a Amazon (AWS), possua nos seus DCs um total de 1,3 milhões de servidores.

Assim, já há uns anos que a pegada de carbono (resultante da produção da energia necessária) dos 3 pilares é idêntica à da aviação! [2][7] A este efeito, nefasto para o ambiente, há ainda que acrescentar o desperdício de água, o que constitui uma dupla perversão, não só pelo desperdício em si mesmo, mas também porque, especialmente em DCs construídos em zonas habitacionais a água provém da rede pública. A questão da água, aliada à inflação nos preços dos terrenos para construção, foram duas das razões para que, primeiro em 2019 em Amsterdão [3], e depois em toda a Holanda [4], tenha sido banida a construção de DCs que gastem mais de 70 MW e ocupem mais de 10 hectares.

E que medidas estão, ou podem vir a ser tomadas de forma a mitigar esta pressão sobre os recursos e clima do nosso planeta?

A utilização de energia de forma cada vez mais eficaz tem sido desde há muito uma preocupação das TICs quanto mais não seja porque, como dizem os nossos amigos brasileiros, “estão mexendo no meu bolso”; ou seja, a factura energética pesa muito nos custos de operação de um DC. Se ao custo acrescentarmos as preocupações ambientais e as sugestões ou imposições regulatórias que começam a aparecer (vejam-se, por exemplo, as Recomendações da Comissão Europeia em “Data Centres Code of Conduct” [5]). A eficiência energética de um DC mede-se em PUE (Power Usage Efficiency) – um PUE de 1 significa que toda a energia fornecida ao DC é gasta pelos dispositivos computacionais (servidores, armários de armazenamento, routers, switches, etc.); quanto mais o valor se afasta de 1 menos eficiente é o DC (a energia é gasta em climatização, UPS, sensores, iluminação).

O inquérito “Global Data Center Survey” do Uptime Institute, realizado em 2022 à escala mundial [6], indica um PUE de 1,55, embora os DCs actualmente em construção tenham geralmente valores melhores que 1,3 e a Google relate que o PUE dos seus DCs é de 1,12 [7].

Uma outra forma de reduzir pegada ambiental é consumir energia “verde”; e aqui (e porisso as aspas) entra também o nuclear, para além das energias solar e eólica.

E quanto à água?

Enormes quantidades de energia são, nos DCs, transformadas em calor, sendo a maior parte resultante da operação dos processadores, memórias, aceleradores de cálculo (GPGPUs) e switches.

A forma usual de arrefecer os equipamentos nos DCs é “soprar” ar frio (20ºC ou um pouco mais) nas entradas de arrefecimento e recolher o ar quente nas saídas; depois, arrefecer esse mesmo ar em torres de arrefecimento e tornar a injectá-lo no DC, processo que tradicionalmente recorre a água. Estimativas para o ano de 2014 apontam para terem sido usados 100.000 milhões de litros para arrefecer os DCs nos EUA [7]; a questão da água é uma matéria delicada, como atesta a baixa percentagem de respostas sobre este assunto no inquérito já referido em [6].

Assim como se têm multiplicado as campanhas informativas sobre o aquecimento global, os gases com efeito de estufa, os derivados do petróleo, seria de esperar que houvesse também divulgação destas questões; mas citando livremente [7] “se as câmaras de alta-definição a cores fossem banidas dos telemóveis, haveria uma redução de 40% no tráfego de dados na Europa. Mas a caixa de Pandora foi aberta…” (e, nos DCs, haveria enormes poupanças nos sistemas de armazenamento – discos – e no processamento dessa informação, logo, na energia).

É assim importante divulgar que, “embora as fábricas de informação não estejam a expelir fumo ou a derramar poluentes" [7] a sua pegada ambiental é grande, para que assim possamos, de acordo com a nossa consciência, modificar os nossos hábitos (reduzir o números de posts no FB ou LinkedIn, de vídeos no YouTube, etc.) como o fazemos quando adoptamos comportamentos “verdes” – reciclar, usar electrodomésticos e veículos menos poluentes, e muitos outros.

Afinal, a frase do matemático Clive Humby “os dados são o novo petróleo”, criada para mostrar o valor da informação (Big Data), pode ter um outro sentido…

[1] Why Amsterdam Halted Data  Center Construction: https://www.datacenterknowledge.com/regulation/

why-amsterdam-halted-data-center-construction

[2] Estatísticas sobre Portugal e a Europa: https://www.pordata.pt

[3] Amsterdam says no more new data centers:

https://www.datacenterdynamics.com/en/news/amsterdam-pauses-data-center-building/

[4] Dutch Data Center Association News: https://www.dutchnews.nl/news/2022/02/dutch-call-a-halt-to-new-massive-data-centres-while-rules-are-worked-out/

[5] Comissão Europeia. Data Centres Code of Conduct: https://e3p.jrc.ec.europa.eu/communities/data-centres-code-conduct

[6] Uptime Institute: https://uptimeinstitute.com/

[7] Jones, Nicola. The Information Factories. Nature, Volume 561, 2018, pp. 163–166