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Artigo SPROWT | Nuno Soares

Tecnologia ao serviço da humanidade: o rumo de Moçambique
Num mundo em constante transformação, onde o ritmo da inovação dita os contornos da vida moderna, torna-se imperativo que os países integrem a tecnologia como ferramenta essencial ao desenvolvimento. A internet, que outrora era um luxo de poucos, tornou-se uma necessidade básica, tão fundamental quanto a água potável ou a electricidade. Em Moçambique, esta transição para a era digital é uma prioridade nacional, uma ponte entre o presente e um futuro mais justo e inclusivo.
É neste cenário de urgência e ambição que se impõe uma reflexão sobre o papel concreto da tecnologia no quotidiano das populações. Neste contexto, sobressai a importância de colocar a tecnologia ao serviço da humanidade. Esta necessidade revela-se ainda mais premente nas zonas rurais moçambicanas, onde o afastamento dos centros urbanos e a escassez de infra-estruturas continuam a limitar o acesso à informação, ao conhecimento e a serviços essenciais. É neste panorama que surgem soluções como o tablet comunitário e a girafa solar, propostas inovadoras que ajudam a reduzir estas desigualdades. Estas tecnologias promovem o acesso à internet e permitem a ligação remota a serviços de educação e saúde, transformando realidades em comunidades frequentemente esquecidas. Contudo, apesar dos avanços, estas acções são ainda insuficientes perante a vastidão do território e a complexidade dos desafios existentes. É essencial ampliar os esforços, diversificar estratégias e expandir o número de projectos para que o desenvolvimento digital se torne um direito real e acessível para todos os moçambicanos.
Essa transformação estende-se com particular evidência aos sectores da educação e da saúde. Na educação, a pandemia da covid-19 expôs fragilidades, mas também acelerou a adopção de ferramentas digitais. Plataformas online, programas televisivos e conteúdos radiofónicos mostraram o potencial de um ensino que vai para além da sala de aula. Apesar das desigualdades no acesso, começa a emergir um modelo híbrido em que o digital complementa e enriquece o ensino tradicional, adaptando-se às realidades de cada região. Também na saúde, a transformação digital tem vindo a produzir resultados noutros países, sobretudo onde os serviços médicos são escassos. A saúde digital aproxima cuidados e salva vidas. Aplicações móveis para consultas remotas, monitorização de doenças e alertas de saúde pública têm-se revelado eficazes e poderiam ser adaptadas à realidade moçambicana. Levar o hospital ao bolso do cidadão é uma inovação que alia tecnologia a humanismo — e representa uma possibilidade concreta para o nosso país.
Mas a influência da tecnologia vai além das esferas da educação e da saúde, tocando também os alicerces da cidadania. O impacto da tecnologia estende-se ainda à cidadania. Noutros contextos, a inclusão digital tem-se mostrado um instrumento poderoso de participação cívica, permitindo acompanhar eleições, denunciar corrupção e exigir mais transparência. O telemóvel transforma-se numa ferramenta de cidadania activa, promovendo uma democracia mais participativa. Em Moçambique, este é ainda um caminho por consolidar, mas com enorme potencial para aproximar o Estado dos cidadãos e reforçar a responsabilização pública.
No plano urbano, a digitalização impõe-se como uma resposta às exigências do crescimento acelerado das cidades. As cidades moçambicanas enfrentam agora o desafio da urbanização digital. O crescimento acelerado dos centros urbanos impõe novas exigências em termos de mobilidade, segurança, planeamento e sustentabilidade. A resposta reside nas chamadas cidades inteligentes. Maputo, Beira e Nampula começam a adoptar tecnologias como sensores, plataformas digitais e redes de dados para uma gestão mais eficiente dos transportes, do consumo de energia e da recolha de resíduos. Embora já existam algumas iniciativas promissoras, são ainda insuficientes. Esta transformação requer não apenas investimento tecnológico, mas uma mudança de mentalidade que coloque o cidadão no centro das decisões. Paralelamente, o dia-a-dia nas cidades é cada vez mais moldado por soluções digitais. Aplicações para transporte com geolocalização, sistemas de pagamento electrónico e ferramentas para denúncia de irregularidades estão a redefinir a relação entre os cidadãos e os serviços públicos. A urbanização digital revela-se, assim, uma resposta necessária às novas dinâmicas da sociedade.
A par do progresso material, é fundamental preservar aquilo que nos define como povo: a identidade cultural. A tecnologia desempenha também um papel crucial na valorização da identidade nacional. A digitalização da cultura e da memória colectiva moçambicana é vital para proteger o património oral, as línguas locais e as tradições que definem o país. Através de bases de dados digitais, exposições virtuais e arquivos audiovisuais, é possível preservar e divulgar esta herança, garantindo o seu acesso pelas gerações futuras e pelo mundo. No turismo, este potencial adquire novas formas. O turismo tecnológico, com recurso a realidade aumentada, visitas virtuais e inteligência artificial, permite experiências imersivas e personalizadas. É possível, por exemplo, visitar virtualmente o Parque Nacional da Gorongosa ou explorar a Ilha de Moçambique com um guia digital. Estas soluções enriquecem a experiência dos visitantes e promovem o património nacional.
É neste cruzamento entre tradição e inovação que surge uma nova geração de talentos, pronta a reconfigurar o futuro. O investimento crescente no talento nacional, sobretudo entre os jovens e nas startups, tem gerado respostas inovadoras para os desafios locais — desde plataformas educativas e aplicações para gestão de riscos até tecnologias que apoiam a agricultura ou promovem o acesso à água e à literacia digital. Programas de capacitação, incubadoras e eventos tecnológicos estão a impulsionar esta nova geração, que alia conhecimento e compromisso social. A emergência da inteligência artificial, já presente em sectores como a educação, os serviços e a agricultura, confirma o dinamismo deste movimento.
O desafio está em assegurar que esta evolução seja ética e inclusiva, para que os frutos do progresso alcancem todos. Num país em desenvolvimento, a transformação digital representa uma oportunidade real para reforçar a inclusão, a inovação e a sustentabilidade. É, por isso, essencial uma aposta estratégica neste domínio. Este compromisso deve reflectir-se em políticas públicas que promovam soluções criativas, incentivem o governo electrónico e fortaleçam a cooperação entre o sector público e privado. Quando bem orientada, a revolução digital tem o poder de aproximar Moçambique do mundo, ao mesmo tempo que projecta a sua riqueza cultural e humana além-fronteiras. Desta forma, a tecnologia poderá afirmar-se como um verdadeiro motor de desenvolvimento nacional e valorização da nossa identidade colectiva.