Artigos SPROWT | Fazila Ahmad

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Enfrentando o Desafio da Sustentabilidade Energética: a Importância da Ciência

Recordo-me com saudade da minha infância em Maputo, das brincadeiras com os amigos – matacuzana, paulito, mata, terra-mar- das correrias, descalça, pela rua, da liberdade, dos sabores e sobretudo do calor humano e sorriso fácil das pessoas.

Lembro-me também de quando a “luz” era cortada frequentemente e de como nos habituámos a viver, com serenidade, a intermitência de energia.

Hoje em dia, a situação mudou, mas não tanto quanto gostaríamos. Em 2021, cerca de 89% da população mundial tinha acesso à eletricidade (Agência Internacional de Energia), no entanto, com desigualdades regionais muito significativas. Em Moçambique, por exemplo, apenas 30% da população tinha acesso à eletricidade (Banco Mundial) em 2020, apesar do seu enorme potencial energético e dos esforços de eletrificação do país nos últimos anos.

A energia é importante para o desenvolvimento económico e social e para o futuro sustentável de uma nação. É um bem básico e essencial no combate à pobreza e às desigualdades sociais. É através da energia que é possível alimentar a indústria, iluminar as cidades, facilitar o acesso à educação e saúde, transportar pessoas e bens…

No entanto, a produção e o uso de energia têm um impacto significativo no meio ambiente, incluindo a emissão de gases de efeito estufa e a degradação dos recursos naturais.

Segundo a Global Footprint Network, estamos a usar os recursos naturais a um ritmo quase duas vezes superior ao que a Terra pode renová-los. A menos que as coisas mudem, precisaremos de três Terras para suprir as nossas necessidades até 2050.

Os países desenvolvidos são responsáveis por uma grande parte da degradação dos recursos naturais e das emissões de CO2, pois o seu crescimento económico ocorreu num período em que as energias fósseis eram as únicas disponíveis e não se tinha a noção do seu real impacto no planeta. Hoje, já não é assim.

Em 2022 as energias renováveis já foram responsaveis por 29% do cabaz energético mundial (Agência Internacional de Energia) com tendência de aumento para 35% em 2025. Estes dados mostram que existe uma tendência clara para uma economia mais sustentável, tornando possível que os países se desenvolvam social e economicamente protegendo o ambiente.

É aqui que a ciência entra com um papel fundamental, pois traz-nos uma abordagem sistemática e objetiva para compreender o mundo à nossa volta com base em observações e experimentações rigorosas e factuais. Fornece-nos uma base sólida para decisões informadas e para a criação de novas soluções. A ciência é assim, não só uma via de descoberta de tecnologia, mas também da sua aplicação prática, na inovação dos hábitos, na forma de produzir e consumir bens essenciais.

Para reduzir o aquecimento global e cumprir as metas internacionais – net-zero até 2050 – é fundamental fazer-se uma transição energética e descarbonizar a sociedade, tirando partido da ciência e das novas tecnologias para a redução das emissões dos gases de efeito estufa, a sua captura e remoção da atmosfera.

Hoje já existem muitas alternativas de energia limpa e renovável, como a solar, eólica (onshore e offshore), hidroelétrica, biomassa, geotérmica ou do hidrogénio verde – este último a ganhar muita notoriedade, essencialmente pelo seu potencial de uso em setores mais dificeis de eletrificar como a indústria pesada ou os transportes aéreos e marítimos.

Por outro lado, com os avanços cientificos, já é possivel capturar o CO2 da atmosfera ou de fontes industrais antes de ser libertado e armazená-lo de forma segura (ex. armazenamento geológico) ou utilizá-lo como matéria-prima para a produção de combustíveis renováveis.

Antigamente, a rede elétrica funcionava de uma forma simples: a energia era produzida em centrais elétricas e distribuída para as casas das pessoas, num fluxo de energia unidirecional: dos centros produtores para as casas e empresas.

Agora, com a descentralização da produção renovável, muitas pessoas estão a produzir a sua própria energia e a injetá-la de volta na rede. Isto cria um novo fluxo de energia na rede, tornando-a bidirecional, e aumentando a complexidade da sua gestão. Agora, as redes elétricas precisam de lidar com a energia que flui em ambas as direções, gerando desafios na estabilidade da rede e na proteção dos equipamentos.

Assim, a gestão da rede precisa de ser mais flexível e capaz de ajustar a produção de energia à procura real, pois a energia de fontes renováveis varia com as condições climáticas, é intermitente e não acionável. Para gerir esta complexidade são necessárias tecnologias mais avançadas, como a inteligência artificial, a Internet das Coisas e as redes inteligentes (smartgrids).

A ciência também é fundamental para aumentar a eficiência energética, contribuindo com evidências factuais e irrefutáveis sobre o impacto das energias fósseis no planeta, quer mobilizando a sociedade para adotar hábitos mais sustentáveis de consumo, quer influenciando políticas públicas.

Sim, porque a transição para uma economia mais verde tem de ser justa e levar em conta as diferenças regionais e sociais. Há que desenhar as políticas públicas para promover a igualdade económica e social, criar incentivos para o uso de fontes de energia limpa, financiar esforços de investigação e desenvolvimento em universidades e laboratórios e investir em educação.

A educação em STEM – ciência, tecnologia, engenharia e matemática – é fundamental para preparar as futuras gerações e apoiar a inovação e o crescimento económico. Aqui os governos, mas também as famílias e sobretudo as mães e mulheres, podem assumir um papel muito relevante ao estimular o interesse das crianças e jovens pelas ciências e prepará-los para carreiras bem-sucedidas nestas áreas.

Em resumo, a ciência desempenha um papel crucial na construção de um futuro com energia sustentável, desde o desenvolvimento de tecnologias e fontes de energia verde, até o incentivo a políticas públicas, a educação e mobilização da sociedade.

Fazer acontecer, estará sempre ao alcance da humanidade e muito está ainda por descobrir. A ciência é o motor do desenvolvimento e o seu combustível é a curiosidade