ARTIGO SPROWT | Roy White

Roy White

Seja educado e conhecedor: O dever moral de todos na Quarta Revolução Industrial

“Estamos à beira de uma revolução tecnológica que mudará fundamentalmente a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos uns com os outros” (Schwab, 2016).

As palavras de Schwab mostraram-se proféticas. Hoje, encontramo-nos num ponto de inflexão da história, onde a tecnologia não apenas transforma os nossos estilos de vida, mas também reformula as nossas aspirações, ideais e até os nossos valores.

Durante quase um século, a humanidade foi poupada da tragédia de uma guerra mundial, experimentando, em vez disso, uma crescente prosperidade e melhor qualidade de vida graças a saltos quânticos na ciência, tecnologia e medicina. Estes avanços levaram-nos a atribuir o mais alto valor à educação, ao pensamento crítico e à criatividade.

Actualmente, estes valores estão cada vez mais sob ameaça. Na corrida pelo progresso científico e tecnológico, o conhecimento fundamental por trás desses avanços tornou-se extremamente complexo, resultando em ampla incompreensão e incerteza entre a população em geral.

“Duvidar é uma condição desagradável, mas a certeza é absurda.” (Voltaire, 1770)

Embora a dúvida possa ser desconfortável, como sugere Voltaire, a busca pela certeza absoluta é um exercício inútil, particularmente num mundo tecnológico em rápida transformação. Hoje, essas dúvidas podem ter consequências trágicas. Populistas exploram a incerteza gerada pela crescente complexidade das bases científicas e tecnológicas. Oferecem narrativas simplistas, enraizadas no medo, para manipular aqueles que lutam para navegar neste mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo. Esses indivíduos alimentam o racismo, os preconceitos inconscientes e a desconfiança, promovendo o nacionalismo, o isolacionismo e o proteccionismo. As tecnologias modernas, combinadas com comportamentos antiéticos nos meios de comunicação, amplificaram essas vozes, permitindo que teorias da conspiração e desinformação proliferem. Ironia do destino, as políticas defendidas por populistas muitas vezes prejudicam precisamente as pessoas que dizem querer proteger.

Os populistas também evitam enfrentar realidades complexas. É improvável, por exemplo, que algum deles partilhe a visão de Schwab de que os indivíduos sem altos níveis de educação enfrentarão desafios significativos para manter o seu padrão de vida à medida que a automação, a inteligência artificial e outras tecnologias aumentem a produtividade e eliminem muitos dos empregos não qualificados do passado. Evitam esse tema, mesmo sabendo que esse deslocamento ameaça aprofundar tensões sociais e poderá levar à instabilidade económica, colapsos monetários e até guerra. Tal como as alterações climáticas, estas tensões não podem ser ignoradas. Enfrentá-las exige debate ponderado, uma reimaginação da educação e um compromisso com a aprendizagem e o pensamento crítico — não apenas para crianças, mas para adultos também.

Confúcio compreendia o valor da educação, especialmente em tempos de grandes mudanças sociais, como sugere a sua famosa citação: “A educação gera confiança. A confiança gera esperança. A esperança gera paz.” Esta filosofia parece estar totalmente alinhada com a missão do Bacharelato Internacional (2025), que procura desenvolver “… jovens indagadores, conhecedores e solidários, que contribuam para um mundo melhor e mais pacífico…”. Qualquer que seja a citação de sua preferência, todos devemos entender que a nossa paz, prosperidade e segurança exigem que sejamos educados de forma apropriada à era em que vivemos. Hoje, devemos aceitar que é nosso dever moral aprender as competências, conhecimentos e conceitos que nos permitam identificar falhas nos argumentos dos populistas e daqueles que espalham desinformação, e prosperar no mercado de trabalho da Quarta Revolução Industrial.

A confiança nos nossos conhecimentos e crenças advém, em parte, da liberdade de expressão, mas também é essencial que as mentes jovens desenvolvam uma visão pluralista. Os estudantes devem ser expostos a perspectivas alternativas e autorizados a construir as suas próprias visões sobre os temas mais diversos e controversos da actualidade. O juiz da Suprema Corte dos EUA, Oliver Wendell Holmes, destacou a importância da liberdade de expressão na sua opinião dissidente de 1919: “O melhor teste da verdade é o poder da ideia em ser aceite na competição do mercado.”

Os educadores devem compreender este princípio fundamental do direito e aplicá-lo nas suas salas de aula. Mas também precisam entender que, embora proteger este mercado de ideias seja essencial, não é suficiente. Os professores e a sociedade em geral devem cultivar a capacidade de exame crítico e reflexão. A aceitação cega de conspirações pode ter consequências desastrosas, como taxas de vacinação mais baixas, danos económicos causados por políticas mal concebidas como tarifas e prejuízos irreparáveis ao planeta, devido ao uso de tecnologias ultrapassadas e à dependência contínua de combustíveis fósseis. Aqueles que carecem de educação e competências de pensamento crítico representam um perigo não apenas para a verdade, mas para a segurança e o bem-estar de vastas regiões do mundo.

As lições da história reforçam este ponto. Em 1541, Francisco de Orellana tornou-se o primeiro europeu a navegar o comprimento do rio Amazonas (BBC, 2014). Relatou vastos assentamentos organizados, com agricultura avançada e belas cidades. Durante séculos, esses relatos foram vistos como exageros. Hoje sabemos que essas civilizações foram dizimadas por doenças como a varíola, introduzidas pelo contacto europeu. Isso serve como um forte lembrete de que tais doenças podem ter consequências catastróficas. Populistas ignorantes da ciência, ou que promovem teorias da conspiração contrárias à ciência — como as que negam a importância da vacinação —, fazem-no em nosso prejuízo. Para evitar repetir tragédias históricas, devemos educar os jovens em ciência, pensamento crítico e contexto histórico. Devemos também entender o método científico, aceitar a importância da revisão por pares e valorizar os conhecimentos justificados dos especialistas.

Precisamos ainda de sistemas de educação que inspirem os jovens a amar a leitura, a questionar e a reflectir eticamente sobre as nossas acções. Nelson Mandela (2001) afirmou que “Nenhum país pode realmente desenvolver-se a menos que os seus cidadãos sejam educados”. Parece, então, evidente que, sendo a leitura fundamental para a educação, os líderes de países onde os níveis de leitura estão abaixo do aceitável ou em declínio devem considerar como seu dever moral inverter essa tendência.

Nos Estados Unidos, por exemplo, as estatísticas são alarmantes. Segundo a Avaliação Nacional do Progresso Educacional (NAEP), “as médias de leitura da 4ª e 8ª classe continuaram a cair”, com um terço dos alunos da 8ª classe a pontuar abaixo do nível básico de proficiência em 2022 (Harris, 2022). Em Moçambique, menos de cinquenta por cento das crianças frequentam o ensino primário e, entre as que o fazem, “… quase dois terços saem do sistema sem competências básicas de leitura, escrita e matemática…” (USAID, 2020).

Embora a tecnologia possa ter algum papel neste declínio — com estudantes a comunicarem por mensagens e a receberem informação via YouTube — outro factor pode ser a queda na qualidade dos livros nas bibliotecas escolares. Nos EUA, os pais podem contestar e retirar livros, muitas vezes sem compreender o valor de clássicos como Mataram a Cotovia. Estes clássicos, que promovem o pensamento crítico e a empatia, são essenciais para o desenvolvimento de leitores atentos, informados e inspirados.

A educação, hoje, deve ir além da transmissão de conhecimento e da inspiração por livros. Deve criar ambientes onde os estudantes se sintam seguros, motivados e curiosos. Um exemplo comovente é o de um menino de 11 anos que, ao saber que o seu professor iria sair, chorou ao agradecer-lhe por ter eliminado o bullying que sofrera durante anos. Estes momentos sublinham o dever dos educadores de criarem ambientes seguros onde os jovens possam expressar livremente as suas opiniões e perguntas, tornando-se, no processo, aprendizes reflexivos, confiantes e curiosos.

A educação deve também incentivar a diversidade de perspectivas. Lembro-me de uma estudante que procurou ajuda dizendo: “Penso de forma diferente dos outros.” Através de uma das conversas mais fascinantes da minha carreira, tornou-se claro que a educação não se trata de partilhar ou impor uma visão única, mas de promover um mercado de ideias onde os alunos possam construir a sua própria compreensão. Assim, as salas de aula devem ser espaços onde múltiplas perspectivas são partilhadas, debatidas e valorizadas. Esta abordagem não só desenvolve competências de pensamento crítico, como cultiva sabedoria e capacidades de liderança, necessárias para prosperar na Quarta Revolução Industrial.

A persistência é crítica neste mundo complexo. Recordo-me de ter dado apoio a uma estudante universitária cega, determinada a estudar cálculo. A sua recusa em desistir, mesmo diante de desafios aparentemente intransponíveis, foi profundamente inspiradora. No nosso mundo tecnológico em constante evolução, os estudantes devem possuir o mesmo nível de persistência. Como escreveu Alfred Lord Tennyson (1842), devem aspirar a “Lutar, buscar, encontrar, e não desistir.” A educação não termina com a graduação; é um compromisso para toda a vida. Para nos protegermos — e ao planeta — da ignorância e das suas consequências, devemos demonstrar um compromisso com a aprendizagem, pensar criticamente e perseverar diante dos desafios.

Em conclusão, a revolução tecnológica descrita por Schwab exige uma reavaliação do propósito da educação. Devemos, antes de tudo, recordar o valor da educação como “A arma mais poderosa que podemos usar para mudar o mundo” (Mandela, 1990). Para além do conhecimento, a educação deve incutir pensamento crítico, resiliência e um compromisso com a aprendizagem contínua. Deve promover o desenvolvimento de jovens que trabalhem silenciosamente e com humildade ao serviço dos outros, e onde todos reconheçamos que temos um dever moral de garantir que os jovens desenvolvam as competências necessárias para o nosso mundo em constante transformação. Só assim poderemos navegar as complexidades da nossa era, proteger o nosso futuro comum e garantir que o progresso beneficie toda a humanidade.

BIBLIOGRAFIA

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