ARTIGO SPROWT | Paulo Samo Gudo

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Liderança e Controle Emocional na Prática Médica: Um Olhar sobre o “Dia a Dia” de um Cirurgião

A profissão médica é, por natureza, exigente, caracterizada por longas jornadas de trabalho, por situações de elevada pressão física e emocional, e pelo peso constante de decisões que resultam em vida ou em morte. É uma profissão que exige do médico que seja capaz de dar tudo de si mesmo quando emocionalmente afetado por suas questões pessoais. Que exige compaixão, dignidade, amor ao próximo e respeito pela vida humana.

Ser médico cirurgião exige, para além do acima exposto, uma mistura única de habilidade técnica, conhecimento clínico e força emocional. E embora a precisão e a proficiência sejam essenciais, a capacidade de um cirurgião manter o controle emocional durante procedimentos complexos e cirurgias de controle de danos pode ser igualmente crítica.

O cirurgião é quase sempre, pela natureza desta especialidade e por inerência de suas funções, o líder da sua equipe clínica (salvo casos em que exista um outro cirurgião mais experiente que deva ocupar essa posição). Este texto de opinião ajudará a compreender a importância do controle emocional na prática cirúrgica, o papel do cirurgião como líder da equipe cirúrgica e como a inteligência emocional de um cirurgião pode influenciar não só o resultado de um procedimento em particular, mas todo o desempenho de uma equipe médica.

A Importância do Controle Emocional

O controle emocional é definido como a capacidade de manter o equilíbrio correto entre os sentimentos agradáveis e desagradáveis, pelo menos na maioria das vezes, para que possamos ter um bem-estar mental adequado. Estar constantemente exposto a ambientes de doença e morte é um desafio enorme para qualquer profissional de saúde, especialmente para o médico cirurgião. Esse desafio é ainda maior quando esse profissional cuida de doentes crónicos e de outros que, pela natureza da sua condição clínica, vão frequentemente ao hospital e inevitavelmente desenvolvem um laço de amizade com quem cuida da sua saúde. De formas que um bom controle emocional é indispensável para a prática cirúrgica e auxilia nos seguintes pontos:

  • Decisão Cirúrgica: Os cirurgiões devem tomar decisões rápidas e muitas vezes de vida ou morte em situações de alta pressão. Distúrbios emocionais como a ansiedade ou pânico podem prejudicar o julgamento e levar a erros graves, e às vezes fatais. Um cirurgião calmo e recolhido está mais bem equipado para avaliar a situação, identificar o problema e desenvolver um plano de ação para si e para toda a sua equipe.
  • Comunicação: A comunicação eficaz é essencial na sala de cirurgia. Um cirurgião emocionalmente controlado tem maior probabilidade de comunicar de forma clara e concisa com a equipe cirúrgica, reduzindo o risco de más percepções e de erros, que podem levar a complicações e morte.
  • Moral da Equipe: O estado emocional de um cirurgião pode ter um impacto significativo na moral da equipe cirúrgica. Um cirurgião calmo e confiante pode transmitir confiança e elevar a moral da sua equipe, o que é essencial para resultados satisfatórios.
  • Segurança do Paciente: Um cirurgião que é emocionalmente controlado tem menos probabilidade de cometer erros que podem comprometer a vida do seu paciente. Afecções emocionais e o pânico podem levar a erros de técnica ou de decisão durante momentos críticos de intervenções cirúrgicas, o que pode resultar em sérias consequências para o paciente.

O Cirurgião como o Líder de Equipe

O cirurgião é o líder da equipe cirúrgica. Como tal, sobre si recai a responsabilidade de garantir que o procedimento é realizado de forma segura e eficaz. O controle emocional do cirurgião é essencial para uma liderança eficaz, especialmente nos seguintes aspectos:

  • Ambiente de Trabalho: O comportamento do cirurgião define o tom para a sala de cirurgia. Um cirurgião calmo, confiante e aberto a opiniões pode criar uma atmosfera positiva e produtiva, enquanto um cirurgião ansioso ou agitado pode criar um ambiente tenso e estressante.
  • Organização da Equipe: A organização de uma equipe cirúrgica e a distribuição de tarefas são essenciais para uma cirurgia eficiente e segura. Um cirurgião emocionalmente controlado pode delegar tarefas adequadamente e confiar nos membros da equipe para realizá-las de forma eficaz.
  • Resolução de Conflitos: Os conflitos podem surgir na sala de cirurgia, mesmo entre os membros mais experientes da equipe. Um cirurgião emocionalmente controlado pode resolver conflitos de forma calma e diplomática, evitando que eles escalem e comprometam o desfecho da cirurgia.
  • Gestão de Complicações: Os procedimentos cirúrgicos podem ser imprevisíveis e as complicações podem surgir a qualquer momento. Um cirurgião emocionalmente estável pode manter-se calmo e focado perante as adversidades, fazendo os ajustes necessários e tomando as medidas adequadas para garantir um desfecho favorável.

Estratégias para Manter um Adequado Controle Emocional

Embora nem sempre seja possível eliminar completamente o stress e a ansiedade na sala de operações, existem várias estratégias que os cirurgiões podem usar para manter o seu controle emocional:

  • Preparação: A preparação completa para um procedimento pode ajudar a reduzir a ansiedade e o stress. Os cirurgiões devem rever a história clínica do paciente, estudar a técnica cirúrgica recomendada para aquela patologia, fazer as alterações necessárias para aquele caso em particular, antever eventuais complicações e desenvolver um plano de ação.
  • Concentração: As técnicas de concentração, como a meditação, respiração profunda e outras, podem ajudar os cirurgiões a manter-se presentes e focados.
  • Exercício Físico: O exercício físico regular pode ajudar a reduzir o stress e melhorar o bem-estar geral, não só do cirurgião, mas de toda a equipe clínica.
  • Sistemas de Apoio: Os cirurgiões devem ter um forte sistema de apoio, incluindo familiares, amigos e colegas. Conversar com outras pessoas sobre os desafios da prática cirúrgica pode ajudar a reduzir o estresse e melhorar a resiliência emocional.

A Inteligência Emocional, a Responsabilidade e o Papel de um Líder

A vida de um cirurgião é marcada por um constante dilema entre a esperança de salvar vidas e a realidade da finitude. As decisões que este grupo de profissionais é forçado a tomar diariamente no exercício da sua profissão podem ter um impacto profundo na sua vida, na vida dos seus pacientes e de suas famílias.

Numa análise demasiado simplista, poderíamos até brincar afirmando que um cirurgião experiente, numa perspectiva emocional, nada mais é do que um conjunto de vitórias e derrotas, de sucessos e fracassos, de alegrias e tristezas, de realizações e decepções, de sorrisos e lágrimas, marcas indeléveis das boas e más escolhas que, durante a sua carreira, foi forçado a fazer, sobre a maior das pressões, que é ter por “breves momentos” em suas mãos o destino e a vida de um outro ser humano, seu semelhante.

Essa liderança clínica, inata aos cirurgiões, requer um elevado senso de responsabilidade, transformando-se ao longo do tempo em um fardo emocional que cada cirurgião terá de aprender a carregar. E é justamente o peso desse fardo que vai, aos poucos, moldando esse ser humano e fazendo-o cirurgião, que vai ensinando-o, enquanto jovem, a ser menos atrevido, a ser mais cauteloso, a pedir apoio aos mais experientes, a não deixar que a morte do primeiro doente do dia o impeça de ajudar os demais doentes programados para esse dia. São, por um lado, as lágrimas nos olhos de uma mãe que tinha esperança de voltar a abraçar o seu filho depois de um acidente de viação, e, por outro lado, a alegria de um filho em receber de volta a sua mãe ao convívio familiar depois de uma batalha longa contra o cancro da mama que constroem o cirurgião.

Este texto ilustra um pouco do turbilhão emotivo que é o “dia a dia” de um cirurgião, os desafios que é forçado a enfrentar ao longo da sua carreira e a importância da sua saúde emocional para a vida dos seus pacientes. A inteligência e controle emocionais do cirurgião permitem que toda a equipe médica funcione de forma eficaz e eficiente, permitindo que os hospitais do mundo possam servir o seu nobre propósito de salvar vidas.

“…exercerei a minha arte com consciência e dignidade…” in Juramento de Hipócrates