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Artigo SPROWT | Ernesto M

Entre A Afirmação E A Desafirmação Da Responsabilidade Ética Nas Organizações
Índice
PARTE I: Conceitos-Chave
Ética Organizacional
Responsabilidade (e Afirmação) Ética
PARTE II: Introdução e Metodologia
PARTE III: Afirmação da Responsabilidade Ética nas Organizações
Institucionalização da Ética Organizacional
Trajetória Comportamental e Responsabilidade Ética
PARTE IV: Desafirmação da Responsabilidade Ética das Organizações
Consolidação de Práticas da Fase 3
Consolidação de Desigualdades (e.g., género, cor, estado físico, etnicidade)
PARTE I: CONCEITOS-CHAVE
1.1. ÉTICA (ORGANIZACIONAL)
Genericamente falado, a Ética organizacional pode ser definida como aquele quadro global da cultura organizacional, como refere Craig Johnson (2021), caracterizado por um conjunto de princípios e de regras que guiam a promoção de condutas, expressivos de valores para o convívio profissional & social na Organização, e ainda para a relação desta com stakeholders.
1.2. RESPONSAILIDADE ÉTICA (AFIRMAÇÃO ÉTICA)
Por conseguinte, depreende-se que Responsabilidade ética seria o compromisso do colaborador e Organização, na assumpção desses princípios e de regras que guiam a promoção de condutas, e que são expressivos de valores para o convívio profissional & social na Organização, e para a relação desta com stakeholders (ambiente externo). E é, precisamente, na institucionalização do compromisso dessa responsabilidade (ética) que jaz a afirmação da ética organizacional (Van Vuuren & Groenewald, 2021).
PARTE II: INTRODUÇÃO E METODOLOGIA
Este artigo serve apenas como guia de reflexão em torno dos desafios da responsabilidade ética organizacional. Ou seja, se é verdade que as Organizações modernas reconhecem ou aceitam requisitos de relações humanas laborais, quer por obrigações de standards de compliance internacionais (e.g. quotas de igualdade de género, quotas de proteção do ambiente/natureza, etc.); quer por conta da particularidade do curso da cultura organizacional intrínseco a uma dada Organização (e.g. Organizações com sistemas de recompensas, de solidariedade social, de sensibilidade pela diferença, de convívio social, entre muito mais); Também é verdade que o sucesso da responsabilidade ética organizacional permanece como um sério problema.
A Metodologia da reflexão deste artigo baseia-se i) na apresentação e discussão conceptual das noções centrais em torno da responsabilidade ética organizacional, e ii) na descrição de casos (sejam reflexo de condutas, discursos, crenças, mindsets, ou mitos)1 reveladoras de comportamento organizacional com impacto ético, no desempenho ou na cultura organizacionais. E, é através destes dois pontos que esperamos discutir os limites da responsabilidade (e afirmação) ética organizacional, enquanto produto simultaneamente corporativo e comportamental.
1 Nos discursos estão depoimentos de colaboradores de Empresas, ambos com identidades não reveladas.
PARTE III: AFIRMAÇÃO DA RESPONSABILIDADE ÉTICA NAS ORGANIZAÇÕES
3.1. INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ÉTICA ORGANIZACIONAL
A Ética organizacional institucionaliza-se através de processos formativos para manutenção de condutas; através de processos de coaching; de (i) processos de estruturação de entidades (e.g. ethics champions) e/ou sectores de governação/gestão da Ética; e através (ii) de processos normativos de instauração de regulamentos para ordenação e repreensão de condutas (e.g. códigos, manuais de procedimentos). O papel corporativo está precisamente na aposta por uma liderança comprometida com a afirmação duma visão e responsabilidade éticas na Organização. Van Vuuren & Groenewald (2021) colocariam um quadro expressivo dessa governação ética nos seguintes moldes:

Entretanto, o estágio de cultura ética vai para além da conjugação de arranjos de organograma, de fluxograma, formativos e normativos. Compromissos comportamentais (ou compromissos de mudanças comportamentais, na maior parte das vezes) são chamados como elemento crucial.
3.2. TRAJECTÓRIA COMPORTAMENTAL E RESPONSABILIDADE ÉTICA
Pode-se depreender de autores como Spector & Fox (2005) que, paralelamente, ao quadro formal estrutura institucional de gestão/governação corporativa da Ética, há um quadro evolutivo de condutas a ser tomado em análise. Tal evolução tende, resumidamente, a se manifestar em 3 fases, cuja ordem e aparição não são, necessariamente, sequenciais e/ou infalíveis.
Essa evolução comportamental começaria por uma fase embrionária (fase 1) que é a da entrada do colaborador na Organização; em seguida uma fase de pleno contrato (fase 2), na qual vigora a plena relação laboral entre Colaborador e Organização; e por último uma fase de decadente (fase 3) em termos da efetividade das obrigações laborais, incluindo o próprio desempenho organizacional.
A distribuição destas 3 fases tende a obedecer ao padrão duma distribuição normal (em Estatística), sendo a fase 2 equivalente à moda da normalidade das frequências comportamentais. Na mesma escala da distribuição normal (vide abaixo), os valores fixam-se em função do quanto/como cada fase se superioriza sobre as restantes.

Na fase 1 o colaborador estaria num desempenho ascendente. Embora a produtividade do mesmo possa ser baixa por conta da integração ou de erros de produção), há maior obediência às regras e linhas (horizontal e vertical) de comando; há alto nível motivacional, devido a uma submissão e sujeição a qualquer agrupamento sociabilidade, gerando uma relação de maior controlo da Organização sobre o colaborador.
Aqui nos parece que a Organização tem mais chances para o que Vorster & Van Vuuren (2022) e Roussow (2023) denominam por responsabilidade ética promotional ethics responsability, e o indivíduo se encontra na sua fase mais propensa para absorção dos preceitos duma cultura e responsabilidade éticas.
Na fase 2, o desempenho estaria mais contrabalançado, num ritmo de produtividade/operações de ‘’zona conforto’’. A obediência do colaborador vai mais propenso à linha vertical do que horizontal (conflitos de egos); os agrupamentos formais/estabelecidos ainda superam os informais; o indivíduo reduz a sua predisposição para a Organização, fixando-se uma relação puramente ‘’50-50’’ (fitty-fifty).
Aqui fica claro que a responsabilidade ética toma contornos mais de obrigações de compliance, ou ética normativa/deontológica (na asserção de Roussow, 2023); Ou seja, é muito normal ver pessoas com condutas contrárias aos códigos de conduta das suas Organizações, e estas nem se se importarem com isso, ou caso se importem, elas lançam mecanismos anónimos de verificação/check da conduta dos seus colaboradores fora da Organização.
Na fase 3, a relação do equilíbrio organizacional está comprometida (Spector & Fox, 2005); o estado motivacional do colaborador é baixo, e consequentemente a produtividade organizacional baixa; a resposta organizacional é mais de carácter administrativo; as falhas de trabalho decorrem de desleixo ou sabotagem; a dinâmica da vida organizacional (incluindo comandos) obedecem a lógicas estranhas/duvidosas; a informalidade e o politicamente correcto tomam conta do modus pensandi, fasciendi e operandi (modus vivendi) da Organização.
E não deixa de ser curioso como muitas Organizações (sem habilidade de diagnóstico das manifestações desta fase) continuam, por exemplo, apostando nas ‘’maças deterioradas”2 (e.g. para treinamentos, para liderança, etc.)
2 Termo da gíria da Ética organizacional dado às pessoas com comportamentos tentadores da cultura ética
PARTE IV: DESAFIRMAÇÃO DA RESPONSABILIDADE ÉTICA DAS ORGANIZAÇÕES
4.1. PRÁTICAS DA FASE 3 CONSOLIDADAS
O sucesso da afirmação da responsabilidade ética está na fluidez da cultura ética. Na ausência desta, não significa que não haja cultura organizacional – haverá, pelo contrário, uma cultura de base anti-ética, instaurada pelo sucesso da fase 3 falada anteriormente. Dentre os aspectos da afirmação de práticas da fase 3 podemos citar:
(i) A informalidade de condutas anti-éticas que transformam a Organização numa extensão da vida privada, a título de exemplo a) desorientação ou afastamento do cliente (e.g. ’’venha daqui a 15 dias’’); b) ‘’culturalizalização’’ da redução do tempo e/ou da motivação de trabalho (e.g. segunda-feira ou sexta-feira, primeiras ou últimas horas do período diário de trabalho); c) habilidades para ludibriar desempenho ou presença no trabalho); d) privatização do uso de recursos da Organização (e.g. usar a impressora para imprimir documentos privados; uso do motorista para fretes com fins pessoais); e) firmação de esquemas de aquisição e procurement baseados em vantagens pessoais; f) corrupção, roubos ou subornos sob lemas como “quem não arrisca não petisca’’, “cabrito come onde está amarrado’’, ‘’a gente rouba porque salário não chega’’, ‘’aqui todo mundo faz boladas; g) coaching aterrorizante para novatos (e.g. ‘’melhor veres outras coisas porque aqui ainda não viste nada’’; entre mais (e.g. desrespeito, assédio, arrogância, roubos, suborno, vadiagem cibernética/internauta, maus tratos, sonegação de informação, ofensas, corrupção, absenteísmo.
(ii) Há também a destacar aspectos contraproducentes trazidos de práticas socioculturais para dentro da Organização, ao exemplo de toques ao corpo de colegas, tom/volume alto de voz na comunicação, bajulação/culto ao chefe, etc. (Zoogah, 2012). E ainda, influências do contexto sociológico da vida sociopolítica ou socioeconómica da sociedade no geral (e.g. a presença dos ‘’costas quentes’’; os esquemas de cumplicidade para fuga ao fisco, ou para auditorias externas, ou para processos de procurement, etc.).
4.2. CONSOLIDAÇÃO DE DESIGUALDADE(s) (e.g. género, cor, estado físico, etnicidade)
A falência da responsabilidade ética na Organização regista-se ainda através de posicionamentos oficiosos ou negligentes, da própria Gestão da Organização, face a diferenciações e/ou exclusão vividos/sentidos pelos colaboradores (Robertson et al, 2007), tais como, formas desiguais de tratamento, desigualdade de acesso a recursos/oportunidades/cargos, discriminação na promoção/progressão, avaliação de desempenho viciada/pervertida, injustiça salarial, discriminação social (e.g. baseada na raça, na identidade etno-tribal/sociolinguística, no género, na condição física, na confissão religiosa, na ideologia política, na origem natalícia, etc.)3.
Em particular, no capítulo das relações de género, vários estudos (e.g. Biernat et al, 2021) mostram que as Organizações não escapam ao modelo patriarcal4 de estruturação de papeis, linguagens, discursos, poderes, e privilégios reveladores do poder patriarcal (dominação ou referência masculinizante nas relações sociais). Essa desigualdade de género não é, exclusivamente, visível na ação de homens contra mulheres, mas também pode, inclusivamente, ser reproduzida através da papel de mulheres com roupagem do poder patriarcal (e.g. mulheres que têm convicção de que contratar mulheres pode perigar o desempenho organizacional; mulheres com propensão a desaprovar a capacidade técnico-profissional ou de liderança de outras mulheres, etc.).
3 E.g. resistência em atribuir cargos de liderança a mulheres ou a pessoas de certa pigmentação da pele ou raça, ou a pessoas com alguma deficiência; resistência em reconhecer/conceder tempo adicional a licenças de maternidade e/ou de paternidade; resistência em equiparar salários de homens e de mulheres
4 Modelo de dominação masculino da vida social e societal
BIBLIOGRAFIA
BIERNAT, Monica; TOCCI, Mary J.; WILLIAMS, Joan C. The language of performance evaluations: gender-based shifts in content and consistency of judgment. Kansas City: SAGE Journal Publications, 2012.
JOHNSON, Craig. Organizational ethics: a practical approach. 5. ed. Oregon: SAGE Publications, George Fox University, 2021.
ROBERTSON, Loriann; GALVIN, Benjamin; CHARLES, Atira. When group identities matter: bias in performance appraisal. New York, 2007.
ROUSSOW, Deon; VAN VUUREN, Leon. The business ethics. 6. ed. Oxford: Oxford University Press, 2023.
SPECTOR, Paul E.; FOX, Suzy. The stressor-emotion model of counterproductive work behavior. In: FOX, Suzy; SPECTOR, Paul E. (Ed.). Counterproductive work behavior. Washington, DC: APA, 2005. p. 151–174.
VAN VUUREN, Leon; GROENEWALD, Liezl. Institutionalising ethics handbook. Pretoria: Ethics Handbook Series, 2021.
VORSTER, Paul; VAN VUUREN, Leon. Ethical culture handbook. Pretoria: TEI, 2022.
ZOOGAH, Baniyelme. Managing organizational behavior in the African context. Ottawa: McMaster University, 2012.