Artigo SPROWT | Huruda D’Castro Malungane

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Do extractivismo financeiro à regeneração sustentável: um novo paradigma para economias em desenvolvimento

Em tempos de grandes transformações globais — ambientais, económicas e sociais — repensar o modelo de desenvolvimento das economias africanas, incluindo Moçambique, é mais do que necessário: é urgente.

Este artigo propõe-nos um olhar crítico sobre o extractivismo financeiro e uma reflexão prática sobre como podemos caminhar em direcção a um modelo de regeneração sustentável, com base em princípios de governança, transparência, inclusão e impacto positivo.

O que é o extractivismo financeiro?

O termo “extractivismo financeiro” refere-se à prática de extrair valor de uma economia sem investir proporcionalmente no seu fortalecimento estrutural. 

Em contextos como o de Moçambique, isso acontece, por exemplo, quando:

  • Grandes empresas operam no sector extrativo (mineração, gás, floresta) com baixo retorno fiscal real para o país;
  • Lucros e dividendos gerados localmente são remetidos para o exterior, sem circulação interna significativa;
  • O sistema financeiro permanece distante da economia produtiva, com foco no consumo e na dívida de curto prazo, em vez de investimento produtivo e social;
  • Os projectos são financiados com base em critérios externos, com pouco alinhamento às necessidades e capacidades locais.

Esse modelo resulta em crescimento sem transformação: mais exploração, menos inclusão; mais estatísticas, menos vida digna.

O que é regeneração sustentável?

A regeneração sustentável é uma proposta de modelo económico que não só evita danos ambientais e sociais, mas também promove a restauração de sistemas — ecológicos, comunitários e económicos.

Trata-se de:

  • Reinvestir o valor gerado localmente em educação, saúde, infraestruturas e inovação;
  • Fortalecer cadeias de valor locais com participação ativa de pequenas e médias empresas;
  • Integrar mecanismos financeiros sustentáveis, como green bonds, microcrédito agrícola, financiamento climático e instrumentos de blended finance;
  • Promover o uso responsável e eficiente dos recursos naturais, com foco em resiliência climática e soberania económica;
  • Estimular a transparência financeira e os princípios ESG (ambiental, social e de governança) nas organizações públicas e privadas.

Não é um ideal distante. É uma necessidade estratégica e económica.

O papel dos CFOs e das finanças na transição

Como fundadora de uma comunidade de Chief Financial Officers (CFOs), observo de perto a crescente responsabilidade que os profissionais de finanças têm no reposicionamento das empresas e instituições.

CFOs estão hoje no centro das decisões que envolvem:

  • Relato de sustentabilidade (incluindo as novas exigências da União Europeia, como os ESRS — European Sustainability Reporting Standards);
  • Alocação de capital com impacto;
  • Gestão de riscos climáticos e não-financeiros;
  • Captação de financiamento verde e sustentável.

Uma nova geração de CFOs está a surgir — mais estratégica, mais informada e mais comprometida com uma visão de longo prazo. A alfabetização ESG nas finanças é um passo essencial para desbloquear modelos regenerativos.

Caminhos possíveis para a regeneração

Aqui estão algumas acções práticas que economias como a de Moçambique podem adoptar:

  1. Educação financeira com foco em ESG: desde o ensino técnico até a formação de executivos e líderes públicos.
  2. Revisão de políticas fiscais e incentivos: priorizando sectores de impacto local e ambiental positivo.
  3. Fortalecimento de finanças locais: com bancos que operem com foco em agricultura regenerativa, turismo sustentável, inovação verde e PME.
  4. Capacitação em relato de sustentabilidade: para empresas de todos os portes se adaptarem às novas exigências internacionais.

Conclusão

O futuro de Moçambique — e de muitos outros países africanos — dependerá da nossa capacidade de quebrar com o ciclo do extractivismo financeiro e adoptar modelos de regeneração, redistribuição e responsabilidade.

Essa transição começa com mentalidades, políticas e decisões financeiras mais conscientes. CFOs, investidores, líderes públicos e empreendedores têm um papel central nesta mudança. A boa notícia é que nunca houve tanta informação, tanta tecnologia e tanta urgência para agir.

Regenerar não é opcional. É a única forma de garantir que o valor permaneça, circule e transforme verdadeiramente a sociedade.